Nos EUA, estudos recentes indicaram que 62% das instalações solares exibem problemas críticos de produção, sendo 91% destes relacionados aos componentes CC [1]. Parte significativa de problemas de geração são relacionadas a devido a sujeira e conexões nos paineis resultando em até 30% de perda da produção mensal, dependendo do local da instalação [2].
De fato, praticamente a grande maioria das instalações solares no mundo podem estar tendo problemas graves de geração, e até hoje não havia métodos e ferramentas práticas e eficazes de diagnóstico capazes de verificar as perdas de desempenho do sistema; e no Brasil não é diferente. A maneira mais simples de verificar a perda de desempenho, é conseguir prever quanto a planta deveria estar gerando para as condições presentes meteorológicas. Os métodos disponíveis até hoje resultam em incertezas significativas por não conseguir calcular uma referência precisa de geração, e assim não permitem uma análise com acurada da geração esperada da planta.
O método principal de diagnóstico de plantas de grande porte no Brasil é a verificação da Taxa de Desempenho, a qual não é uma tradução ao pé da letra do inglês “Performance Ratio” [3]. Fundamentalmente, a Taxa de Desempenho é um termo acadêmico criado para comparar a qualidade instalações em regiões e orientações diferentes, e representa a relação entre a energia efetivamente produzida e a energia que seria produzida se o sistema estivesse trabalhando continuamente em sua eficiência nominal STC (o que assumiria condições irreais de radiação solar constante de 1000 W/m2 and 25° de temperatura), nunca sendo seu objetivo o monitoramento de plantas. O uso para diagnóstico de perda de desempenho da taxa de desempenho tem as seguintes limitações:
- A taxa de desempenho teórica simulada durante dimensionamento não é a mesma que a da planta instalada, assim não há referência para comparação ficando impossível prever a geração esperada.
- A taxa de performance é a priori uma grandeza para análise de média estatística anual, já que a variância mensal é extremamente sensível a mudanças sazonais.
- A taxa de desempenho é uma equação simplificada e absolutamente não consegue representar o que o modelo complexo de simulação geração faz, assim, pequenas alterações de temperatura, por exemplo, podem ser compensadas por efeitos devido a sujeira, e é impossível concluir o que está acontecendo com a planta.
De fato, o próprio PVsyst em seus tutoriais afirma que as correções implementadas para avaliação de taxa de desempenho em períodos curtos (não anuais) não são convincentes, afirmando que: “Implementamos isso na versão 6.74 do PVsyst. No entanto, o resultado não é tão convincente, porque na maioria dos sistemas PV, outras contribuições são dependentes da estação”. E vai além, afirmando que “Essa correção é quase inutilizável com sistemas de rastreamento, pois as variações sazonais devido ao rastreamento dominam amplamente o efeito da temperatura”.
Dentro da mesma lógica de avaliação do da taxa de desempenho, alguns serviços ainda tentam diagnosticar a geração atual da instalação, comparando-a com aquela simulada geralmente no PVsyst durante a fase de design usando dados históricos meteorológicos. Esse método é especialmente impreciso pois variação ano a ano é diluída dentro da média histórica, assim a probabilidade de que um mês atual tenha a mesma geração da média histórica é pequena. O próprio PVsyst em seu manual afirma [4]: “Dados meteorológicos (climáticos) comumente disponíveis geralmente têm algumas incertezas, de diferentes tipos, que podem produzir diferenças muito significativas entre fontes ou anos em uma mesma fonte. Podem ser:
1) A variabilidade anual, que supostamente tem uma distribuição gaussiana,
2) A qualidade do registro de dados, cuidado dos operadores, posicionamento, calibração e deriva dos sensores, perturbações como sombras, sujeira ou neve nos sensores, etc.
3) A presença de um horizonte não desprezível para medições terrestres,
4) A diferença de localização (distância da estação de medição) para medições terrestres,
5) A qualidade dos modelos usados para interpretar os dados de satélite, que está em melhoria contínua há 20 anos,
6) A evolução do clima. Na Europa, parece que a irradiação aumentou em até 5% desde o início do século XXI.”
Um método mais atual, o chamado previsão por “Machine Learning” (que é um subconjunto da chamada “Inteligência Artificial”) usa analisar correlação entre temperatura e irradiância solar, e a energia elétrica gerada. Este método é usado por empresas como a Delfos e Prescinto por exemplo, e é erroneamente chamada de Digital Twin. Assim, é necessário tipicamente “treinar” essa correlação com um ano de dados da planta a fim de conseguir prever a geração do próximo ano. O maior problema do “Machine Learning” é que ele apenas manipula dados, sem nenhuma relação com o modelo físico e elétrico da planta. Da descrição acima, já podemos ver os problemas desse método:
- O monitoramento só pode ser implementado após 1 ano, e na prática, é difícil esperar ou ter plantas com essa idade. Importante mencionar, a maioria dos inversores só fornece de 6 meses a 1 ano de dados passados, então para plantas antigas, é impossível entender seu histórico.
- Se o modelo for treinado numa planta que já tem problemas (e isso acontece também frequentemente em plantas novas), o monitoramento vai continuar dizendo que a planta está em perfeito estado, quando na verdade não está.
- Se os dados usados para treinamento não são absolutamente perfeitos, o Machine Learning, por ser uma “caixa preta”, é extremamente difícil de interpretar, e portanto não é uma solução para empresas que não tem departamento de Data Science.
O Digital Twin (Gêmeo Virtual) é atualmente considerado a tecnologia mais avançada e confiável para analisar perdas de desempenho em usinas solares; no entanto, ele é implementado apenas por algumas empresas de alta tecnologia com departamentos científicos como por exemplo a General Eletrics, Engie e Total Energy. Um Digital Twin é fundamentalmente uma representação virtual da usina real, correspondendo ao seu modelo equivalente físico e elétrico. O funcionamento do Digital Twin é fácil de entender: basicamente ele realiza simulações de geração usando dados meteorológicos presentes. Em simples palavras, é o mesmo que executar simulações em softwares profissionais de dimensionamento como PVsyst, PVSol, Solextron e outros, com dados meteorológicos em tempo real. Assim, o Digital Twin é a única tecnologia de monitoramento capaz de fornecer uma referência absoluta para geração de energia, com base no modelo teórico.
No seguinte exemplo, uma usina de 1.2 MWp com dois anos de instalação já tinha indicação de sujeira pelo menos no último ano. Os valores em laranja indicam a geração real vinda do inversor, enquanto as barras em azul indicam o Digital Twin. Fica claro que até o dia 8 de Agosto, quando foi realizado limpeza de usina (seta verde), a instalação exibe uma perda consistente de ~17%, perda a qual foi eliminada após a limpeza.

Lamentavelmente, a instalação perdeu cerca de 300`000 R$ somente no segundo ano, e não havia consciência do fato por falta de um monitoramento eficaz. Comparando o monitoramento da mesma usina com o Digital Twin versus o Machine Learning no mesmo exemplo abaixo, fica claro que com os dados do inversor, o Machine Learning erroneamente indicou que a previsão de geração antes da limpeza não indicava problemas, e após limpeza, que a usina estava gerando mais do que devia. Basicamente, se não houvesse limpeza, o monitoramento por Machine Learning indicaria que a usina não tem problemas, quando o Digital Twin claramente indica que ela estava suja e também consegue quantificar as perdas.

Sendo a metodologia de monitoramento mais precisa existente, o Digital Twin impacta financeiramente de maneira significativa instalações solares da seguinte maneira:
- Ela reduz drasticamente o potencial de perdas de desempenho, o que acontece pronunciadamente na grande maioria das usinas de solo, instalações rurais, em zonas de floresta e serras, zonas litorâneas, regiões poluídas e perto de estradas. Também em instalações com problemas de conexões, clipping, derating, etc.
- O Digital Twin reduz significantemente os custos de O&M, uma vez que reduz a necessidade de alto número de engenheiros para verificação de desempenho e visitas, especialmente pois sem Digital Twins, é muito difícil tirar conclusões de análise com incertezas aceitáveis.
O Digital Twin chegou ao Brasil e é uma realidade recente, e está apenas disponível pela empresa Suíça Solextron, hoje parte do grupo Belenergy.
[1] R. Kennedy, “The top causes of solar performance issues”, PV Magazine 2023
[2] A. Kimber et al, “The Effect of Soiling on Large Grid-Connected Photovoltaic Systems in California and the Southwest Region of the United States”, 2006 IEEE 4th World Conference on Photovoltaic Energy Conference
[3] https://www.pvsyst.com/help-pvsyst7/performance_ratio.htm
[4] Project design > P50 – P90 evaluations
Autor:
Prof. Dr. Renato Minamisawa
University of Applied Sciences and Arts of Northwestern Switzerland, Suiça